Um Teto Para o Meu País




DETECÇÃO

“Sábado de Sol no Jardim Tonato”

Confraternização após a detecção


      Nós do NUPS: agora com um grupo de mais de 20 pessoas continuamos na caminhada buscando a troca entre as diferentes trocas sociais. Acreditamos que as barreiras devem ser quebradas, as bolhas devem ser estouradas, as pontes devem ser atravessadas porque, por mais clichê que possa parecer, somos todos iguais e não faz sentido viver em um regime tão segregado. Iniciamos a parceria com a ONG “Um Teto Para Meu País” no ano passado, quando participamos de uma construção na comunidade Colinas D’Oeste (a primeira com colegiais, junto da Escola Carandá). Desde então mantivemos essa relação com o Teto e buscamos expandir nossos horizontes nas comunidades de extrema pobreza da Grande São Paulo – e que isso possa se expandir muito além de casas emergenciais, sem é lógico menosprezá-las.
Bairro Jardim Tonato
Em uma nova etapa da parceria, no sábado dia 21 de Maio, participamos (juntos novamente da Carandá) da grande “Enquete Massiva” (ou detecção). A fase pré-construção das casas, na qual famílias são entrevistadas para que se possa entender – dentro da situação já precária – quais precisam mais de uma casa emergencial. Além disso, é uma oportunidade de entrar na comunidade como ela realmente é: sem a ONG nunca ter tido uma ação “formal” – e daí aparecem olhares desconfiados -, sem a promessa de uma casa, sem a euforia da construção que já tem um objetivo traçado e de certa forma sistemático. É a chance de poder entrar na casa dessas pessoas as quais não fazemos ideia de quem são, mas que com certeza estão presentes no dia-a-dia: peões de construção, pintores, garçons, porteiros... Penetrar naquela realidade que é tão distante e ao mesmo tempo se encontra a 50 minutos de nós.
A primeira etapa da detecção aconteceu no Lourenço dia 20 de Maio e foi destinada à formação: o que esperar da atividade?  Um grupo de mais ou menos 45 jovens (Lourenço + Carandá) imaginando como seria... Não houve realmente espaço para imaginações e pensamentos, pois a coisa teve de ser bem sistemática como a enquete: a ONG precisa do máximo de precisão de dados para não ser injusta na hora de determinar quem precisa mais ou menos. São dados tão pessoais, mas que também fazem tanta parte do dia-a-dia e tem de ser levados em consideração.
Um dia depois, acordamos cedo num sábado, e sempre juntos de nossos parceiros “carandenses” seguimos ao Jardim Tonato, comunidade em Carapicuíba; 50 minutos de São Paulo.  Divididos em duplas e mediados por um voluntário universitário do Teto, seguimos batendo de porta em porta em busca de pessoas interessadas em oferecer seus dados para talvez quem sabe receber uma casa emergencial de seis metros por três. Por mais que tivéssemos de ser o mais precisos possíveis nas perguntas (para dar precisão aos dados da enquete), houve tempo para conversas informais – mesmo porque a formalidade às vezes assusta e causa desconforto. Um papo mais relaxado e com interesse realmente em conhecer e não somente anotar dados é mais acolhedor e deixa mais a vontade.
Na pausa para o almoço regado a sanduíches tivemos tempo para conversar sobre o que já tinha acontecido: “Caramba, é complicado”. Muitas histórias que, querendo ou não, acabam nos tocando: mães solteiras com mais de cinco filhos vivendo em um mundo de poeira, esgoto, bronquite, ratos, baratas, alagações... Maridos alcoólatras que abandonam famílias. Filhas de 15 anos tendo que cuidar dos outros nove irmãos por causa de uma mãe viciada em crack. São aquelas histórias cujos personagens são invisíveis à sociedade, mas que estão aí: mais perto do que imaginamos. 
Depois de várias considerações, pensamentos, emoções e angústias, seguimos com a atividade. Nessa segunda parte do dia, tivemos tempo para conversas mais relaxadas e pessoais. Fechamos o dia com mais observações sobre o que tinha sido e seguimos pra São Paulo. Sempre vem aquele contraste absurdo entre a realidade que não é vista e o miolo quase que exclusivo no qual vivemos. 
Uma semana após a detecção, com todos ainda absorvendo certas informações e tentando lidar com as angústias, tivemos um encontro com alunos das duas escolas para tentar exteriorizar alguns desses pensamentos.  É complicado enxergar uma situação na qual nunca imaginaríamos viver nem nos mais remotos pensamentos e ter que identificar quem, dentro de tanta precariedade, precisa mais. Todos precisam. E não só de uma casa emergencial. Precisam de incentivo, de ação do governo, de instrução, conhecimento, cultura, lazer... São tantas coisas que para nós soam tão normalmente banais e que talvez não façam parte nem do imaginário dessas pessoas; já foram tantas promessas eleitorais, tantas caças de voto, que no final não se concretizam e deixam com que tudo permaneça igual. Isso nos faz perceber que o caminho ainda é muito longo e vai exigir muitas lutas, muita disposição.




Maria Elisa Savaget





DEPOIMENTO DA DETECÇÃO


Detecção - Abril de 2011
                             
        Sem a certeza do amanhã, nos preparávamos para a Detecção que aconteceria no dia seguinte, no dia 21 de Maio de 2011. Com as enquetes em mãos, cada pergunta representaria uma parte da vida do entrevistado e cada resposta um passo em direção á possibilidade da construção de uma casa de madeira, de 3x6m, elevada do chão e grande o suficiente para salvar a vida de uma família que se encontre em situação crítica de moradia, vítima da pobreza que entristece o cenário da população mundial.
É esse o objetivo do Teto Para Meu País, justamente colocar um teto sobre a cabeça daqueles que merecem ter seu cantinho tanto quanto qualquer outro ser humano.  Toda e qualquer pessoa merece ter ao menos um lugar decente onde morar, merece ter um lar, um lugar para chamar de seu, e ao menos garantir seu dia de amanhã.
A realidade que enfrentamos no dia da detecção foi uma realidade completamente diversa daquilo com que muitos estavam acostumados. Barracos de madeira, ruas sem asfalto, águas sujas percorrendo seus caminhos morro abaixo. Não sabíamos o que esperar, como seríamos recebidos, afinal, entraríamos nas casas das pessoas, teríamos uma hora para ouvir sobre uma vida, uma hora para completar uma tabela com letrinhas e medidas que podem mudar a vida da família. E ainda, depois dessa uma hora, sair sem a certeza de que você irá construir a casa para aquela família e isso é o que mais dói. Você saber de todos os problemas, e não saber se poderá trazer uma solução, já que a ONG depende de doações.
Cada momento que passei dentro de cada casa em que realizei as enquetes me fez cada vez mais admirar o quanto a simplicidade é linda e pura. O quanto ela, sozinha, é capaz de manter o significado da família vivo e intacto. D. Noemia, avó de 17 netos mora em uma casa de três cômodos e um banheiro. Ainda assim, mansão nenhuma se compararia ao tamanho do carinho que a avó tem pelos seus netos. O sofrimento de seus olhos é disfarçado pelo seu tímido sorriso, ao contar dos netos que enchem sua pequena e simples casa de alegria. Casa de vó é igual ao seu coração, nao importa o pequeno tamanho, sempre tem espaço para mais um, assim como teve para o meu trio quando fomos realizar a enquete.
Um de seus netos, para minha surpresa eu já havia visto antes. Ele já havia trabalhado como pintor na minha casa, e naquele dia era eu quem estava alí, na sua casa, com o mesmo objetivo do dia que ele estava aqui, construir. Além disso, eu estava ali para ajudar, lembrar e admirar a força imbatível do sorriso e da simpatia, que falta de recursos nenhuma é capaz de destruir.
Aliás, todos os problemas pelos quais as famílias que entrevistamos passam são minimamente disfarçados pela simpatia com a qual nos recebem. Infelizmente, tal simpatia se perde na paisagem sofrida da comunidade, é uma estrutura tão grande, tão imensa, de tanta pobreza e sofrimento que nos faz questionar a significância que temos perto daquilo tudo. É uma realidade que o próprio homem construiu para sí mesmo, e é um sofrimento que uma equipe de voluntários como a nossa, tenta modificar para tentar colocar luz de volta nos caminhos cansados e sombrios da população que é obrigada a viver naquela situação.
Ser voluntário, e fazer parte de uma mobilização e de uma organização tão única como a do Teto, promove sentimentos que palavras são incapazes de descrever. É uma tristeza que toma conta de você, mas que ao mesmo tempo é compensada com a tranquilidade que toma conta da sua conciência. Você se doa para o trabalho, você compartilha o sofrimento da família com ela, e o mais importante, você ao menos mostra para as famílias necessitadas que elas não estão sozinhas nessa luta, e que existem sim pessoas preocupadas com a situação em que vivem.
Cada sorriso compartilhado, cada lembrança do dia que passamos realizando a detecção permanecerá no coração e na consciencia de todos nós, pois são em dias assim que aprendemos a dar valor á simplicidade e a dar valor á ajuda ao próximo. Todos temos o direito de ser felizes, e de se proteger dos problemas que cercam a humanidade com um teto sobre suas cabeças e são esses tetos que são distribuídos pela ONG.
Passamos um dia reunidos por uma causa, esta permanecerá para sempre em nossos objetivos, um dia, não levanta nem pó das ruas de terra das favelas, mas levanta pelo menos uma madeira, de uma casa que será construída pelo teto. Começamos, e agora não pararemos mais.

                                                                          Luiza Kodja Barbosa



Construção - Setembro de 2010


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